quarta-feira, 27 de abril de 2011

Viver de ilações

Hoje em dia vivo de muitas ilações. Passo todo o dia a tirar ilações dos diálogos que me envolvem. Julgo perceber o que me dizem, penso entender inteiramente o que me pedem até me acho capaz de transmitir o que estou realmente a pensar ou sentir.

Passo todo o dia nisto. Envolto numa estranha mística sensação de descoberta. Hoje toda a reunião de equipa foi em russo e eu lá estive estoicamente a partilhar experiências com o resto da equipa e a fazer parte activa do que se estava a passar. Todos ficam espantados com os meus progressos de entendimento. 
Já entro em conversas que se estão a passar em russo. Parece que estava previsto vir um dia para aqui.

Pois bem o que vos tenham para contar é um pouco diferente. A verdade é que continuo tão analfabeto no que diz respeito a este idioma como no primeiro dia que aqui cheguei. Tudo o que vos contei não passou de uma hipérbole literária do que na realidade aconteceu. O que penso é que emocionalmente estou mais perto de saber como estes meus novos companheiros se sentem.
Não sei explicar muito bem mas sinto que vivo na solidão de falar português. Será mais uma ilação que tenho que assumir.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Grande descoberta...

Passadas 3 semanas de árduo trabalho e da descoberta de um novo mundo tenho algo para partilhar que me parece interessante...

Nos primeiros dias em que almocei no trabalho tentei ver se o que se comia aqui era de algum modo parecido com a nossa comida. Verdade é que os restaurantes da IKEA são praticamente iguais na oferta em qualquer parte do globo. Claro que existem alguns pratos locais que até agora tenho provado e apreciado. Mas voltando aos primeiros dias eu perguntava muitas vezes o que eram certos e determinados pitéus. E também os meus colegas me perguntavam o que se come em Portugal. E eu expliquei que comíamos de tudo um pouco, que inclusive comemos um peixe oriundo da Noruega (a pergunta foi: De tão longe?!) E lá expliquei que é salgado e depois demolhado e cozinhado de variadíssimas maneiras. A reacção foi de estranheza claro! E nesse dia esse mesmo colega pergunta-me se eu não queria provar uma das iguarias que eles comem muito cá. Eu olhei para o alimento que estava dentro de uma caixa de plástico e que tinha o aspecto de ser algo envolvido em maionese. Eu disse-lhe muito obrigado mas não tinha fome suficiente para mais comida. Mas ele disse-me que tinha que provar porque era uma das coisas mais típicas daqui. Eu pensei ok qualquer dia provo este novo pitéu. Nós sabemos que quando estamos num pais que não é o nosso temos sempre que experimentar a comida local mesmo que seja para não voltar a provar!

Durante estas 3 semanas tenho comido todos os dias lá e quando passava pelas caixinhas de plástico pensava, tenho que provar isto vai na volta é muito bom e estou a perder um novo prazer na minha vida!

Ontem quando estava a comer frango com algo, pois eles aqui comem muito frango, (mesmo muito, existem talhos só de galináceos!!!) à minha frente sentou-se um colega meu que trazia no seu tabuleiro uma das famosas caixinhas. Eu pensei talvez veja melhor agora o que isto tem com a maionese... e desta vez este meu colega não comeu a mistura da caixa, mas sim deitou o conteúdo no prato. Vi então que eram legumes, vi que eram legumes com maionese, vi então que se tratava de um tipo de salada, vi então que era uma salada fria.
E de repente lembrei que estava na Rússia.. e finalmente percebi que era SALADA RUSSA!!!!  AH, AH, AH!!!

Demorei algum tempo a me recompor das gargalhadas internas que dei! Anos e anos em casa a comer salada russa feita pelo meu pai, legumes, atum, maionese, ovo cozido!!!!!

Foi necessário vir para Moscovo para ver que os russos comem a nossa SALADA RUSSA!

Aqui fica a famosa.












 Bom proveito para todos!!!!

terça-feira, 19 de abril de 2011

A ouvir o mar.

Hoje até parecia que estava sentado de frente para o oceano Atlântico... a ver o pôr de sol mais lindo do mundo. Sentado algures perto da Aroeira a comer umas sardinhas a ouvir o bater das ondas na areia macia amarelada por milhares de ano ao sol...
Não vos vou dizer que tenho saudades do mar, pois todas as manhãs quando saio para a rua julgo ver o mar ao longe, claro está que é a minha imaginação a funcionar, mas parece mesmo verdade.
Hoje enquanto comia as minhas sardinhas em tomate de conserva com batata cozida e ovo cozido, recordava-me dos aromas da mais fresca maresia sudoeste. Estas sardinhas que foram compradas num enorme, gigantesco, sem fim hipermercado em Khimki, conseguiram transportar-me para um lugar onde o tempo não passa, onde o mais leve agitar de uma folha nos consegue elevar do chão. 
Tudo está ao nosso alcance, a nossa mente é um prodígio. Acordei hoje com muito sol, quando vinha para casa caia o maior nevão que já presenciei, jantei à "beira mar" e antes de ir para a cama tinha fogo de artificio perto de casa. 
Em tempos de pouca eloquência emocional, penso que não me expresso da melhor forma. Mas a verdade é que o carrossel não pára.     

domingo, 17 de abril de 2011

A recepção.

Noite muito bem passada em casa de uma típica família russa.

Mal saio do elevador dou de caras com quase todos no corredor a fumar e com um animo elevadíssimo! A família é constituída por o pai, a mãe e duas filhas, uma de 16 anos e a outra com 7anos! O anfitrião a primeira coisa que fez foi dar-me um abraço e explicar-me que aqui todos vivem numa casa não muito grande. Ainda por cima eles estão a mudar a cozinha então existia alguns pormenores deliciosos… A sala é também o quarto das miúdas, a mais nova como nunca tinha visto um ser que não sabia falar russo achou logo fantástico ensinar-me russo, mas antes de qualquer lição a primeira coisa que ela fez foi mostrar-me os seus dotes de ginasta, mortal à retaguarda no meio da sala… Mas o que ela achava o máximo era o facto de eu não perceber o que ela dizia. Cheguei até a ler um texto do seu livro de histórias, e cada vez que não dizia exactamente qualquer palavra, ela dizia “Niet, niet!” e lá eu voltava a repetir tudo até estar correcto! O pai bem tento que a mais velha falasse comigo em inglês, mas a timidez venceu.
 Fui recebido naquela família como se de um amigo de longa data se tratasse. De um calor, de uma simpatia que é difícil sentir alguma vez que estás a mais. Quando lá cheguei percebi que já tinham jantado, e antes de eu dizer alguma coisa já estava sentado na cama (a cozinha estava em obras) com um prato com carne estufada e batatas cozidas, o qual comi com um enorme prazer pois senti que me estavam a tratar como da família, e antes de dizer algo mais estávamos todos a beber vodka para comemorar a ligação da água na cozinha. O chefe de família explicou-me que antes de qualquer trabalho do tipo deste tinha-se que beber 3 shots de vodka, e depois de feito o trabalho deve-se beber para comemorar o feito! Outra coisa que me ensinaram é que aqui na Rússia existe um ditado, beber vodka sem cerveja é como mandar dinheiro fora, logo cada shot é sempre acompanhado por um longo trago na cerveja gelada!
 Perto do fim desta mais que agradável noite já tinha a mais nova agarrada a mim a dizer que eu era dela! De certeza que na sua cabeça passava algo como, este careca pode ficar aqui comigo para eu lhe ensinar a falar russo que é tão fácil. Pouco depois a pequena acrobata, passou a noite toda com cambalhotas e mortais, já estava na sua cama pronta para descansar.
Tudo o que aqui escrevi não se encontra se quer perto do que senti ontem à noite com aquela família, senti-me em casa. Uma coisa vos digo, aqui sabem receber muito bem os amigos, fez-me lembrar o que eu tento sempre fazer quando convido alguém para minha casa. A verdade é que ainda me faltam alguns passos para este nível.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Breves momentos.


O frio era imenso… a neve pousava na minha cara em flocos e lentamente derretia. Eu julgava-me preso numa realidade que não era a minha, quase parecia que o mundo não era redondo. O mar está tão longe e mesmo assim a humidade era tal que em cada expiração se deixava de ver o próximo passo. Dizem que já devia estar mais calor nesta altura…mas devido ao vazio existente no meu coração por estar longe de ti! Está frio como o zero absoluto que existe somente no vácuo laboratorial!
Enquanto caminhava no meio do parque que devido aos seus tons brancos e castanho-escuro me transmitia alguma mística, de género das brumas de Avalon, eu vi um raio de luz solar escapar por entre o mar agitado de nuvens matinais… aí vi o teu sorriso, o teu calor, a tua existência. Foram segundos talvez nem tanto, mas chegou. Chegou para me aquecer o rígido e arrefecido coração. O que breves momentos podem fazer… amanhã dizem que vai nevar, mas quando eu passar naquele local vou olhar para o céu e mesmo que não veja raio nenhum, nem partículas de luz e vou-me lembrar do que senti hoje e terei um dia melhor! Obrigado! O que breves momentos podem fazer. Senti todas a cores, vivi cada momento… senti um calor estonteante que me deixou a suar. Estava -1º mas não sentia frio… por breves momentos vivi um verão imenso! 
Sinto-te aqui.

domingo, 10 de abril de 2011

Descobri o mercado!


Pois bem hoje depois de percorrer 7 minutos a pé descobri o mercado aqui da zona. Pois bem não vos vou dizer que foi uma aventura pois seria estar a repetir-me diariamente. A verdade é que comecei a minha odisseia com a compra de legumes e fruta. Sinto-me a cada dia que passa um sábio na arte da mímica. Entre gestos, ruídos (pois podia ser tudo menos russo), esquivas, risos de puro nervo e alguma sinalética, consegui comprar umas laranjas, maças, batas, cebolas e tomates! A senhora só se ria com as minhas tentativas de pedir algo. Isto todavia foi fora do mercado. Dentro de mercado encontrei uma panóplia de lojas cujas entradas nem sempre deixam prever a enormidade de iguarias que estão representadas no seu interior. Outras lojas mais parecem quiosques que têm como ponto de venda uma pequena janela. Foi assim que comprei pão, mas só com a ajuda de um senhor que percebeu qual o tipo de pão que eu queria e pediu como se fosse para ele, e assim fui salvo.
Para comprar leite entrei numa loja de lacticínios, sim só de leite e os seus derivados! E foi ai que comprei um pacote de leite… grande compra!
Adorava ter gravado esta hora da minha vida. Pois iria estar registado o que nós somos capazes de inventar para sobreviver nas compras!
Amanhã inicia o trabalho a valer!!! E uma farda totalmente branca…

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Às compras!

Mais uma aventura no hipermercado…
Como comprar peixe… pois bem é melhor esquecer! Pois o mar está um pouco longe de Moscovo, mas mesmo assim pensei que era possível! Pois bem, vi umas douradas que não tinham mau ar, mas a senhora que estava de outro lado da bancada… a peixeira com cara de tamboril tirou a réstia de convicção para esta compra. O salmão parecia ser do Benfica desde pequeno, o tom encarnado que tinha era mais do que prova da sua frescura. Quando estava a ver o peixe embalado não reparei que estava próximo da banca. Foi num ápice que me consegui desviar de uns lagostins esverdeados que pareciam estar doidivanas por provar o meu luso polegar!
Mas quando me deparei com as iguarias que estavam reservadas do outro lado da exposição quase exclamei de puro… medo, peixe seco com um ar bem… seco!
Então pensei: ATUM em lata! Num sprint silencioso desloquei para as prateleiras que estavam no corredor do peixe, sim a peixaria encontra-se como uma ilha no meio de dois corredores de racking. E, e, e…. nada, enormes quantidades de algo tipo anchovas ou enguias ou não sei. A verdade é que só encontrei atum do outro lado do hipermercado junto aos enlatados reais. Era atum ibérico e cada lata custa 4€ por isso não comprei!
Voltei cambaleante para junto da peixaria e ai retirei o que me restava de conhecido, embora não muito apreciado, um conjunto de farinha branca com resto de moluscos, aroma de marisco e uns laivos rosas… as nossas tão famosas delícias do mar.
Até me dirigir para as caixas consegui não ser atropelado por duas senhoras munidas de carrinhos de compra super velozes!!!

Espero ter muitas mais destas aventuras!!! Vamos ver como corre a próxima ida às compras!
Já agora sardinhas escreve-se – сардины. Fácil!

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Saudades...


Realmente a dor física pode ser causa pela distância do amor.
É uma sensação de um vácuo onde a temperatura desce tanto que se atinge o 0 absoluto. Onde o frio é tanto que temos náuseas estomacais, o peito é contraído da mesma maneira como se caíssemos de uma altura abismal e acertássemos em uma pedra com todo o nosso peso concentrado no peito. É verdade sim ficamos sem ar, pensamos que vamos sufocar, que a ansiedade nos vai levar a sanidade mental.
Pensamos que todas as vezes que dizemos que amamos alguém são mais do que poucas. Pensamos que tínhamos tanto para vos dizer, tanto por vos mostrar, tanto para aprender convosco. Sentimos que todos os lugares onde estivemos foram muito poucos comparados com o que este mundo nos dá. Julgámos ter visto muito, quanto nada é imenso perto do que os nossos olhos apreciaram. Os km são relativamente mensuráveis desta vez, mas sinto-te aqui dentro de mim. Sinto-te em cada partícula do meu ser. Acredito que me fazes bem, sei que serei muito feliz contigo. Sei e sinto isto tudo pois o que sinto agora longe de ti mostra-me que estou vivo e bem vivo, porque só alguém vivo pode sofrer tanto.
  


Não percebo…


Desculpe mas não falo Russo…
É fácil demais viver num local onde todos nos percebem e onde pelo menos o alfabeto é igual.
Aqui o desafio é constante, por isso cada conquista é um êxito fantástico. O simples facto de conseguir trocar euros por rublos leva-nos a um patamar de euforia comparável ou titulo de campeão nacional do Benfica… ano passado sim.
Aqui tive aquela sensação que estava só… que podia gritar e todos me iam olhar com alguma curiosidade mas depois ficariam fartos de tanto ruído. Não por má vontade, mas sim porque não me perceberem. É bom sermos percebidos. Como quando eu te digo que te amo e tu me entendes…. É diferente de ouvir o taxista dizer …”Moscow Bolóta, Bolóta!”… julgo que se referia ao trânsito, eu sorri e disse no meu russo “Da, Da!”
E um capuccino no Starbucks a 4,50€… o pequeno!